Em 1921, o vilarejo de Petrovichi, de cerca de 200 habitantes, próximo à fronteira entre a Rússia e a Bielorrússia, registrou um surto de pneumonia bilateral que atingiu 16 crianças. Dessas, somente uma sobreviveu: Isaac Asimov (1920-1992), que viria a se tornar bioquímico, escritor, editor e talvez o mais célebre autor da história da ficção científica.
Autor e editor de cerca de 500 livros, entre obras de ficção, divulgação científica e antologias, Asimov escreveu mais de 300 contos desde o fim dos anos 1930. Tanto em sua prosa longa quanto na ficção breve, ele transitou entre space opera, histórias de robôs, narrativas de futuro próximo, especulação de caráter sociológico e até mesmo por gêneros como fantasia, horror, aventura e mistério.
As principais obras de Asimov são as sagas da Fundação e dos robôs. A primeira se passa em um futuro distante, no qual estudiosos capazes de prever o futuro por meio de uma ciência chamada psico-história tentam evitar que a humanidade caia em uma barbárie após a queda de um império galáctico. Já sua tetralogia robótica narra o início da colonização humana em outros planetas e discute as repercussões sociais do uso de inteligência artificial.
Até mesmo em meio a uma produção numericamente tão superlativa, as novelas Cair da noite e Homem bicentenário não passam despercebidas, pois são duas das mais notáveis obras de Asimov, ambas com versões para o cinema. Filmado em 1988 por Paul Mayersberg, Cair da noite foi eleito o melhor conto de ficção científica de todos os tempos pela associação Science Fiction Writers of America. Já Homem bicentenário foi adaptado em 1999 por Chris Columbus, mesclando elementos do conto The positronic man, parceria de Asimov com o editor e escritor Robert Silverberg.
A influência de Asimov na ficção científica audiovisual se entendeu para além dessas histórias. O romance fix-up Eu, robô inspirou livremente o filme homônimo de 2004 dirigido por Alex Proyas e outras obras de Asimov foram vertidas para telefilmes em países como Inglaterra, Hungria e União Soviética. Mais recentemente, sua saga de space opera Fundação vem sendo transformada em série pela Apple TV.
Asimov completa, com Arthur C. Clarke e Robert A. Heinlein, a santíssima trindade da chamada era de ouro da ficção científica dos anos 1950. Esses autores foram alguns dos principais responsáveis por fazer com que o gênero deixasse de ser apenas literatura pulp e ganhasse uma projeção maior. No entanto, também o impregnaram de certa visão chauvinista e imperialista que viria a ser desconstruída após a década de 1960 com a new wave da ficção científica, especialmente pela ascensão de autorias femininas, como Ursula K. Le Guin, e negras, como Samuel R. Delany.
A sua inabalável fé na capacidade humana de progredir e na ciência como nossa aliada fez com que Asimov tivesse uma visão muito menos pessimista do que outros autores de sci-fi, tanto seus contemporâneos quanto os posteriores. Ele identificou que a visão alarmista sobre as possíveis consequências nefastas dos avanços tecnológicos eram muito mais exploradas pela literatura do que os benefícios da ciência.
Asimov chamava esse fenômeno de Complexo de Frankenstein, pois considerava que a ficção científica estava assentada sobre essa repulsa pelas consequências da tecnologia desde sua origem, com o romance Frankenstein, ou o Prometeu moderno (1818), de Mary Shelley. Sobre isso, certa vez ele escreveu: "Tornou-se muito comum, nas décadas de 1920 e 1930, retratar os robôs como inventos perigosos que invariavelmente destruiriam seus criadores. A moral dessas histórias apontava, repetidas vezes, que 'há coisas que o homem não deve saber'. No entanto, mesmo quando eu era jovem, não conseguia acreditar que, se o conhecimento oferecesse perigo, a solução seria a ignorância."
Uma das formas de combater o que considerava uma postura anti-intelectual da ficção científica foi conceber as Três Leis da Robótica: 1) Um robô não pode ferir um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano sofra algum mal; 2) Um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que entrem em conflito com a Primeira Lei; e 3) Um robô deve proteger sua própria existência, desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou Segunda Leis.
É claro que esses postulados foram idealizados em uma época muito anterior à computação moderna e não poderiam ser implementados de fato, mas é inegável a influência de Asimov como uma bússola moral na programação de inteligências artificiais e nos debates sobre ética na tecnologia. Um exemplo recente é a discussão sobre as prioridades nas tomadas de decisão de carros autônomos, priorizando o conforto do motorista em detrimento da integridade dos pedestres e contrariando os conselhos de Asimov.
Os impactos da inteligência artificial no mercado de trabalho são um dos temas mais relevantes do mundo contemporâneo, mas já vêm sendo tratados por Asimov — com todas as nuances que um assunto complexo como esse pede — desde, ao menos, 1940, quando ele escreveu seu primeiro conto sobre robôs, Robbie, que retratava a relação entre uma máquina e uma criança em um mundo tomado por protestos antirrobôs feitos por trabalhadores sem emprego. As Cavernas de Aço, de 1953, que acompanha um detetive humano e seu parceiro robótico tentando desvendar um crime, é uma de suas obras mais relevantes nesse campo.
O otimismo de Asimov talvez tenha sido um prenúncio de alguns dos subgêneros mais recentes da ficção científica, como o hopepunk e o solarpunk, que tentam imaginar futuros viáveis e sustentáveis como forma de subverter a visão catastrofista e de munir a humanidade com alternativas para pensar nosso destino.
Em um mundo no qual a ciência desempenhará um papel cada vez mais crítico para a reversão das mudanças climáticas, a postura esperançosa de Asimov pode ser a chave para a sobrevivência humana.